Por Élida Degaspari – Psicóloga clínica e educacional, especialista em Neurociência.
O impacto da pandemia para todos é evidente, mas em nossos jovens percebe-se um impacto maior, mesmo hoje, com o retorno às aulas presenciais, após muito tempo interagindo apenas através de uma tela, outros desafios surgem.
Os professores, por sua vez, relatam as dificuldades que têm enfrentado para trabalhar, uma vez que precisam lidar com os efeitos da pandemia na vida pessoal – estresse, ansiedade, síndrome de burnout, depressão – e na profissional, ao conviver com estudantes também impactados emocionalmente que apresentam comportamentos de apatia, automutilação, violência, entre outros.
O isolamento geralmente já faz parte dessa fase do desenvolvimento, pois muitos adolescentes tendem a recolher-se e evitar a convivência. Hugo Monteiro Ferreira, escritor pernambucano, fala sobre isso em seu livro A geração do quarto, afirmando que o tempo que eles passam isolados no quarto demonstra séria fragilidade emocional. Antes da pandemia de covid-19, embora passassem horas e horas entre games, músicas e livros no próprio quarto, havia a escola como espaço de interação social. No entanto, isso mudou quando esse contato foi interrompido.
Nesse contexto, o tempo que passaram interagindo através de uma tela afetou ainda mais a qualidade das relações sociais, pois, ao conversar por um aplicativo de mensagens ou videochamadas, a qualquer sinal de confronto ou desinteresse, o jovem tinha a opção de sair da chamada ou de bloquear o colega. Na vida real isso não ocorre da mesma maneira, e percebemos que os jovens não estão sabendo lidar com as frustrações e os conflitos que a convivência traz.
Discutir sobre a saúde mental nos jovens é urgente. Em 2021, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertou que crianças, adolescentes e jovens poderão sentir o impacto da pandemia por muitos anos. Todos esses aspectos sociais decorrentes deste momento que vivemos nos mostram que, na verdade, não existe uma forma nova de sofrimento ou de saúde mental; logo, o isolamento social apenas potencializou fatores preexistentes. De acordo com o relatório “Situação Mundial da Infância 2021: Na minha mente: promovendo, protegendo e cuidando da saúde mental das crianças”, do Unicef, mesmo antes da pandemia os jovens apresentavam comprometimento da saúde mental, sem investimento significativo para implementar ações de mudança.
O impacto do isolamento social ocorreu de forma variada, dependendo do contexto socioeconômico e da qualidade da convivência em casa. Alguns estudantes não tiveram sequer suporte para as aulas on-line, outros foram afetados pela ausência da dinâmica do ensino presencial, da socialização e sobretudo do afeto, que se dá essencialmente pelo contato presencial, não acontecendo da mesma maneira diante de uma tela.
Entretanto, cabe ressaltar, como Ana Cláudia Quintana esclarece em sua palestra Preciso dizer que te amo no TEDxSão Paulo ao fazer uma retrospectiva da evolução da tecnologia, que os impactos só não foram mais devastadores devido ao contato virtual mantido no período de isolamento social, mesmo considerando as singularidades de cada realidade, ainda sim, em menor ou maior grau, o avanço tecnológico pôde contribuir com a socialização.
COMO RECONHECER SINTOMAS DESSE CENÁRIO?
A princípio é importante não negar e nem minimizar os efeitos. Muitas vezes, a família acredita que pode ser apenas uma fase ou não consegue compreender o abalo emocional resultante desse período. O professor de Psiquiatria da Escola Médica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), Daniel Monnerat, afirma que alguns sintomas de sofrimento psíquico foram potencializados com o cenário pandêmico, sendo imprescindível contar com o suporte da família e da escola como rede de apoio. Inclusive, alguns autores trazem a ideia de uma pandemia emocional a partir da pandemia de covid-19.
É importante que os pais ou responsáveis mantenham contato direto com a escola, buscando compreender como o filho está se comportando para além do rendimento e do desempenho escolar. O fato de ter atitudes diferentes em casa e na escola pode assustar alguns pais, mas é diante das interações sociais com pessoas da mesma idade que surgem certos conflitos.
Atente também a sintomas como insônia, sono e cansaço em excesso, apatia, desânimo, tristeza, crises de choro repentinas, taquicardia, alterações no apetite e frases que insinuam a “vontade de sumir”. Cada um tem sua própria forma de externar desconforto, e o diálogo com o jovem precisa ser constante. Mesmo que ele insista em se isolar ou não falar sobre si, demonstre que você está lá para ouvir e acolher seja o que for que ele esteja sentindo.
E O QUE NÓS, FAMÍLIAS, PODEMOS FAZER?
REDUZIR A AUTOCOBRANÇA: a pandemia afetou a todos, em maior ou menor grau. Certamente nós, adultos, também fomos impactados em nossa rotina e nossos relacionamentos, afinal, não foi fácil dar conta da mudança de rotina no trabalho, ou da ausência dele, do suporte ao filho, entre outros. Ao perceber o jovem em sofrimento, precisamos reduzir a autocobrança ou o sentimento de culpa, procurando também nos acolher em nossas necessidades e buscando ajuda se necessário.
PRATICAR A ESCUTA EMPÁTICA: crianças e adolescentes estão em processo de desenvolvimento, e, consequentemente, suas habilidades socioemocionais também. Assim, escutar o outro é se conectar com as emoções dele, buscando enxergar sua perspectiva e seus pontos de vista. Promova diálogos e pratique a escuta empática acerca das dificuldades, dos desafios e dos sentimentos dele e procurem juntos ações que possam restabelecer a saúde mental, percebendo até mesmo quando a situação implica recorrer a auxílio profissional. Encorajar o autoconhecimento fortalece a individualidade e, consequentemente, promove relações mais saudáveis.
ESTIMULAR A AUTONOMIA E A RESPONSABILIDADE: sentar-se com seu filho para planejar a rotina de atividades escolares e da casa, incentivando-o a fazer tarefas compatíveis com sua idade, pode ajudar. Para que o jovem aprenda a ter autonomia, precisamos reforçar com clareza a importância de responsabilizar-se e as consequências de suas escolhas.
EXERCITAR A EMPATIA: seja empático com as dificuldades que seu filho expressar em relação aos estudos, à convivência, entre outras possibilidades. Lembre-se de que não é possível medir a dor do outro, não existe uma régua para isso. Por mais simples e “boba” que uma dificuldade relatada por seu filho possa parecer, ela pode ser causadora de grande sofrimento. As consequências do isolamento social não têm data para expirar e podem perdurar por muito tempo. Portanto, acolha e valide a dor dele, o que não significa isentá-lo das consequências de comportamentos não saudáveis. Sentimento e comportamento são conceitos diferentes; assim, você pode validar como ele se sente e, ainda assim, repreender e redirecionar o comportamento dele em relação ao que sente.
ESTEJA ATENTO A SEUS EXEMPLOS: não adianta exigir paciência de seu filho se você demonstra um comportamento impaciente. Crianças e adolescentes baseiam-se em exemplos, muitas vezes reproduzindo ações sem que tenham consciência plena disso. Se você deseja que ele controle o tempo de uso das telas, por exemplo, proponha um acordo à família toda. Se quer que ele seja menos agressivo na escola, sentem-se juntos para conversar sobre momentos em que você também perdeu o controle e criem planos de ações para toda a família.
SAIBA RECONHECER AS PEQUENAS VITÓRIAS: conversem sobre as conquistas diárias de seu filho e comemorem quando ele tiver um avanço na regulação das emoções e na mudança de comportamento. Exigir demais, sem respeitar o momento que estamos vivendo, pode gerar autocobrança e ansiedade, transmitindo a interpretação equivocada de que ele precisa sempre dar conta de tudo; do contrário, será um fracassado.
ESTEJA ATENTO PARA PROCURAR AJUDA: se notar que alguns sintomas estão prejudicando a produtividade e as relações dentro e fora da escola, procure a ajuda de um psicólogo. Preocupado com esse cenário, o Unicef lançou o “Pode falar”, canal de ajuda virtual para jovens entre 13 e 24 anos que funciona de forma anônima pelo site https://www.podefalar.org.br/. Além disso, alguns serviços como: Centro de Valorização à Vida (CVV), Sistema Único de Saúde (SUS), organizações não governamentais (ONGs) e universidades públicas oferecem atendimento psicológico gratuitamente.
Lembre-se de que precisamos nos sentir amados e acolhidos, pois é uma necessidade humana. Demonstre seu amor e seu cuidado por meio das pequenas práticas do dia a dia, como demonstrar interesse no que seu filho tem a dizer, deixar recadinhos afetuosos em locais estratégicos e incluí-lo nas decisões familiares. Uma maneira de reforçar seu amor, mesmo quando ele cometer erros, é apontar que existe a possibilidade de superação, de transformação, isso contribuirá para que ele seja resiliente.