Há disposição para mais esse desafio? A epidemia de cansaço e seus dispositivos

Por Natalia Conti, formada em Letras e em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia, doutoranda em Literatura, pesquisadora em teatro brasileiro, dramaturga e atriz.


“O excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma.”


Byung-Chul Han

Toca o despertador na segunda-feira, quando tudo recomeça, e, mesmo depois do fim de semana, estamos cansados. Nas redes sociais, as piadas com o vilão da segunda-feira, geralmente em seguida à melancolia dominical e seus fantasmas. Parece que o que todos estão dizendo é que o descanso não é suficiente, o corpo não repousa, e chegamos ao ponto de estarmos cansados de estar cansados.

O que tanto alimenta esse cansaço e o que tem impedido a reposição de vitalidade de que precisamos? Que contextos e práticas estão conduzindo a humanidade a uma dinâmica fatigante de vida?

O filósofo e ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han, em seu livro Sociedade do Cansaço, desenvolve um conjunto de ideias para explicar esse fenômeno. Ele fala que adentramos um tempo ordenado pelo excesso de positividade, a que ele chama de “sociedade do desempenho”, onde o cansaço é solitário, atua de forma individualizante e nos isola. É como se estivéssemos tomados pelo excesso de demandas. A vida virtual, os aplicativos, o bombardeio de informações, aspectos da contemporaneidade que nos tornam reféns da disponibilidade 24 horas por dia. Só que em vez de estarmos mais preparados, informados, integrados, essa lógica atua no sentido contrário, esgotando nossa energia, tornando-nos atônitos e sozinhos em nosso cansaço.


“A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível. Não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão. O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo.”


HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. 1a.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

A afirmativa de que tudo podemos nos dias de hoje, com o avanço das tecnologias e com a capacidade de comunicação e conexão favorecida pela internet e pelas redes sociais, oculta o fato de que o motor que gira esse “tudo possível” é o nosso corpo. A pandemia de covid-19 torna ainda mais complexas essas questões. Primeiro, porque se enfrenta com a prepotência humana diante da natureza, obrigando-nos a lidar com aquilo sobre o que não temos controle, e com a nossa finitude. Depois, as próprias características da síndrome de covid-19 se chocam com a forma de vida predominante entre nós nos dias de hoje. O excesso é freado pela falta de fôlego; somos obrigados a recuar, a assumir decisões coletivas e, diante do desconhecido, reconhecer que não somos invencíveis.

Uma parte importante das pessoas infectadas sofreu ou sofre com o que os médicos chamam de cansaço pós-covid, que consiste em uma série de sintomas e sinais manifestados posteriormente ao ciclo da doença, como a fadiga, as dificuldades articulares, os problemas de memória, um cansaço crônico que parece estar em sintonia com o modo de vida ao qual estávamos acostumados, mesmo antes da pandemia. Esta é uma oportunidade de revisar e de questionar qual é o sentido da vida que desejamos assumir, individual e coletivamente.

Com o retorno às atividades presenciais, passamos por um novo período de adaptação. Os que puderam fazer isolamento durante o momento crítico da pandemia acostumaram-se a não se deslocar pela cidade, a trabalhar e estudar em casa, a viver num espaço onde convivem trabalho, família e descanso. Essas duas mudanças seguidas: o isolamento, primeiro, e, depois, a reabertura impactam profundamente a vida escolar, estudantes e professores. O fato de, durante um longo tempo, crianças e adolescentes terem passado distantes do convívio entre amigos, colegas e professores, ausentes do espaço escolar e de sua dinâmica, revela-se como uma moeda de duas faces.

De um lado, a dificuldade de readaptação, que está carregada de uma experiência do luto vivido por todos nós em razão da pandemia. É um processo que pede elaboração, o que vai durar um tempo, até que possamos entender o que aconteceu, o que perdemos, como precisamos nos adaptar e aprender a viver de modo diferente. A perda da convivência durante esse período fala alto, com certeza, e cada pessoa e as diferentes gerações produzirão seus entendimentos e significados para o que aconteceu.

O outro lado da moeda é a possibilidade aberta pelas mudanças. Sempre que atravessamos um período de crises e o barco balança, somos convidados a repensar. Isso não significa que daí sairão soluções e práticas melhores, mas a oportunidade existe. E a escola, sua comunidade, é um espaço de convívio que permite que pensemos todos os dias como queremos nos relacionar uns com os outros, como podemos lidar com a nossa própria dificuldade e com a do outro, e que aprendemos a lidar também com os processos da vida. Entendê-los como processos, coisas que levam tempo, que são um caminho a percorrer.

Sendo o cansaço um dado de nossa realidade, caracterizado pelos especialistas como uma epidemia, de que modo todas as pessoas envolvidas no processo educativo podem refletir sobre os desafios estabelecidos por esse contexto e que saídas podem oferecer, ao menos como tentativa? Há algo na educação que joga a favor disso. A escola é um lugar onde o estado de presença é importante, é vivido e exercitado. A relação com o agora é da ordem da conexão com a vida, e, por isso, nesse ambiente, as projeções, as demandas, o “lado de fora” podem estar de algum modo suspensos. Isso não significa que elas deixam de existir, mas, durante o tempo em que as pessoas estão lá, o que é vivido tem sua dinâmica própria e pode, por que não, se permitir inventar formas de viver. Se aprender é criar, já temos nossa ferramenta.

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