O que podemos aprender diante de tantas perdas e dores?

Por Leticia Daniel Coelho – Psicóloga, especialista em Competências Socioemocionais

Não faz muito tempo, era recorrente um discurso sobre como seríamos pessoas melhores, mais empáticas e solidárias, após todo cenário vivenciado coletivamente em razão da pandemia do novo Coronavírus, que trouxe perdas, dores e inestimáveis prejuízos econômicos e emocionais. Porém, sabemos que os prejuízos ocasionados pela pandemia foram diferentes para cada um de nós, pois cada um foi afetado singularmente por ela.

Uma experiência por si só não é geradora de mudanças, crescimentos e aprendizados, mas sim o que fazemos com ela. O intuito não é romantizar dores, mas olhar para a realidade que nos é posta, enxergando de fato o que temos a nossa frente, e pensar o que podemos fazer e aprender.

Se analisarmos os possíveis aprendizados com base na experiência de viver uma pandemia, poderíamos lançar uma coletânea, tendo em vista os diferentes aspectos que podem ser analisados, mas aqui vamos olhar para algo que já era dito e explorado veementemente quando falávamos de educação socioemocional: a importância de nomear o que sentimos e acolher esses sentimentos em si, bem como os das pessoas ao redor.

Diante dessa ameaça invisível aos olhos, tudo mudou – a rotina, o trabalho, a forma como nos relacionamos – e os medos e as preocupações tomaram proporções diferente. Sem aviso, a vida como conhecíamos mudou!

A angústia diante da imprevisibilidade da vida ficou escancarada e nos fez enxergar tamanha impotência. O não saber tomou conta, e, quando não conseguimos nomear e entender, mesmo que minimante, é mais difícil saber o que fazer. Um exemplo tolo de como tentamos o tempo todo entender, dar forma e nomear as coisas é o que fazemos ao olhar as nuvens. Com certeza, você já viu animais, pessoas e objetos formados nelas. Olhamos para elas, e nosso cérebro tenta encaixá- las em algo que já conhecemos. Diante disso, entender o que estávamos – e ainda estamos – vivendo em diferentes graus pode resgatar uma sensação, por menor que seja, de segurança, do lugar de saber.

AFINAL, O QUE VIVENCIAMOS?

Se digitar “luto” no Google, você encontrará diferentes definições, e a maioria delas relacionando o termo à morte. Porém, o luto não diz respeito apenas a um processo imbuído de um conjunto de reações diante da morte, e, sim, ao conjunto de reações sobre uma perda significativa. Portanto, nos últimos anos, todos vivenciamos o luto!

Nós, como indivíduos dentro de nossa singularidade, vivenciamos diferentes lutos decorrentes da pandemia, mas, como sociedade, vivenciamos um comum a todos: a perda significativa referente à maneira de ser e estar no mundo, e o simples fato de nomearmos esse sentimento pode nos ajudar a gerenciar tudo o que estamos passando, pois isso contribui para que possamos sentir e de fato agir perante o sentir.

David Kessler, especialista em morte e luto, diz que todos vivemos lutos diferentes na pandemia, visto que nosso cérebro primitivo entendeu que havia algo ruim acontecendo, mas não era possível enxergar claramente, o que abala nosso senso de segurança.

AGORA QUE NOMEAMOS, É PRECISO ENTENDER!

Para que possamos gerenciar esse luto, é necessário primeiramente entendermos seus estágios. Elizabeth Kubler-Ross (1926-2004), referência em luto, enumerou cinco estágios dele e, posteriormente, David Kessler – coautor do livro On Grief and Grieving: Finding the meaning of grief through the five stages of loss, com Kluber Ross – adicionou um sexto. Vamos entendê-los a seguir, com exemplos de pensamentos relacionados à Covid-19 e à pandemia.

Negação: perceptível em frases como: “Esse vírus não vai nos afetar”.

Raiva: expressa por pensamentos como: “Esse vírus está tirando a minha liberdade, não posso

fazer minhas atividades nem ver meus amigos”.
Barganha: “Ok, se estabelecermos o distanciamento social, tudo vai melhorar, não é?” Tristeza/depressão: “Eu não sei quando isso vai terminar”.

Aceitação: “Isso está acontecendo, eu descobri como lidar com isso”. Nesse estágio, encontramos certo controle, pois entendemos que é possível fazer algo, como usar máscaras, lavar e passar álcool 70% nas mãos, manter o distanciamento social e até aprender a trabalhar a distância em home office.

Significado: corresponde ao significado que atribuímos a essas situações difíceis; por exemplo, a “descoberta” de como podemos nos conectar emocionalmente com as pessoas por meio da tecnologia, indo além do simples ato de se conectar; e quanto estamos aprendendo e exercitando a gratidão pelas pequenas coisas que antes não importavam, como uma simples caminhada e até a liberdade de ir e vir.

É importante termos em mente que esses estágios nem sempre são lineares tampouco acontecem em uma ordem específica. Ao entender e nomear o que estamos vivenciando como luto e compreender seus estágios, começamos a nos permitir sentir.

Além do luto da maneira de ser e estar no mundo, muitas pessoas vivenciaram o luto pela morte de pessoas queridas, e, devido ao cenário de isolamento social e restrições, esse foi um luto duplo, visto que enfrentaram a morte de um ente querido e a impossibilidade de praticar os ritos que se referem a ela.

O momento de despedida é importantíssimo para a elaboração da perda no processo de luto; além disso, cumpre uma função comunitária em que as pessoas demonstram apoio e solidariedade. Entretanto, as aglomerações foram desaconselhadas, e isso impediu o ritual de velórios e funerais, causando, assim, o “luto duplo”. Cabe ressaltar que isso não ocorreu apenas em casos de morte pelo coronavírus, uma vez que, independentemente da causa da morte, o isolamento social foi recomendado e seguido na maior parte dos países acometidos pela Covid-19.

O psicanalista Chistian Dunker define o luto como um processo de ressignificação da dor e ressalta a importância dos ritos relacionados à morte para a real internalização da perda do outro. Ele destaca ainda que pular esses momentos pode agravar a dor e trazer efeitos psíquicos indesejáveis.

Portanto, é fundamental que aprendamos a nomear o que vivemos e sentimos e, principalmente, nos permitir sentir, como tanto enfatizamos nos cursos Somos Gênios Socioemocional. Isso não significa nos entregarmos a sentimentos como tristeza ou raiva, mas, sim, aceitá-los, entendê-los e vivenciá- los para que deem vazão a outras emoções. Não compare sua dor com a do outro nem a diminua, lembre-se de que todas as emoções são legítimas.

Não há como poupar quem amamos das dores, assim como não podemos negar a nossa. O possível é acolher. A pandemia nos despertou para a imprevisibilidade e a impotência perante alguns acontecimentos da vida, mas já lidávamos com isso antes e continuaremos lidando. Ninguém estava pronto para ela, mas ninguém está pronto para várias adversidades, como a perda de uma pessoa querida – repentinamente ou não – de emprego, de finanças, de saúde etc. Portanto, busque entender o que está vivendo e sentindo, dê nome (estou triste, com raiva, irritado, chateado etc.) e acolha sua dor e a si mesmo, seja generoso consigo. Acolha a dor do outro, legitime o que o outro sente. Mais importante que saber o que dizer é estar presente, sem julgamentos, suportando a dor, e não buscando negá-la.

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